#abocadosapês 1
Toda mudança transforma, e é sobre a despedida de #acasadasbolachinhas que vamos falar. Afinal, trocar de casa é colocar pra fora, literalmente, tudo o que não está no seu devido lugar.
Os vegetarianos que me perdoem, mas na minha casa tinha briga - de faca - pelo bife. Não poderia ser diferente. Numa casa com 5 filhos, brigávamos por tudo. Por mais espaço no sofá, pelo controle remoto da TV - clichê -, pelo filme que ia ser alugado, pelo lugar no carro etc. Brigávamos, sobretudo, na hora da comida.
Não que tivesse pouca, jamais faltou. Aliás, podia não ter luxo, churrasco todo fim de semana; cokinha era só no domingo, mas tinha tudo direitinho. Arroz, feijão, massa, ensopadinho de vagem, guisado com milho e ovo cozido, galinha com molho. Teve galeto a 1 pila no início do Plano Real. Lembro também de legumes cozidos, couve-flor tinha bastante. Abóbora sempre com casca. Para tomar era ki-suco de guaraná, sim, e confesso, adorava. Quem nunca?
Tinha bastante comida, mas nem sempre numa mesa farta o que nos cabe é o que mais gostamos ou o que queremos. Aliás, não havia muito querer quando eu era pequena, era o que tinha, "come agora mesmo!". E comíamos. Ninguém perguntava como nos sentíamos a respeito.
Aliás, o existencialismo não existiu nas décadas de 80 e 90, pelo menos não nas mesas que tinham briga pelo bife. Porque a gente tinha que se atirar pra poder conseguir o que queria comer. Eu, que sou daquelas delicadinhas que comem devagar, sempre me dava mal.
Até na hora do sorvete eu me lascava, pois meu pai, glutão, dizia: "quem termina primeiro ajuda os outros". Essa era a regra de ouro dele. Assim que ele comia seu sorvete ou picolé vinha direto pro nosso. O meu sempre ainda em mais da metade, com a melhor parte preservada, porque deixava sempre o melhor pro fim.
E faço isso até hoje. Em tudo na vida. Deixo o melhor sempre pro fim. Por que será? É uma prática gostosa, às vezes, vou indo no meu ritmo e sou coroada com o gran finale. Mas pode me prejudicar também, afinal, posso ter que interromper o que estou fazendo, posso não conseguir chegar ao final, posso até perder meu pedaço pra quem terminou primeiro e veio "me ajudar", como o pai fazia.
A mania de deixar sempre o melhor pro fim é algo carimbado no meu jeito de ser e isso me incomoda às vezes. Como todo hábito impregnado, sigo repetindo esse padrão vida afora, seja por teimosia ou simplesmente por ser do jeito que sou.
Ser metódico demais é ótimo e me diferencia em muitas coisas. Mas pode ser ruim, como tudo na vida, pois me impede de aproveitar o bom "o quanto antes". Às vezes, é preciso ir mais rápido para não perder o melhor.
Mas se por um lado tem a sensação de perda, de não ter aproveitado tudo, por outro esse meu "estilo" me dá a oportunidade de apreciar o que tenho. É uma coisa que o pai acabou me ensinando, talvez sem querer, com essas brincadeiras bobas de "roubar" nossa comida: que temos que dividir, que dificilmente necessitamos de mais, que tudo o que temos a oportunidade de apreciar é normalmente suficiente, porque somos privilegiados e perder um pedacinho de sorvete não é nada. Sobretudo se for para dar a outra pessoa. Vida que segue.
Ter crescido numa casa onde tinha que lutar pelo meu pedaço me deu esse senso de que tenho tudo o que preciso, me ensinou a valorizar o que tenho e a compartir. E me ensinou, sobretudo, que cada casa é uma casa.
As casas mudam, mas a gente permanece sendo a gente, mesmo com o passar dos anos. E tudo bem.
Tudo isso pra dizer que me mudei da #acasadasbolachinhas, onde cresceu e se encerrou meu ciclo gastronômico.
A casa, que agora tem novos e queridos donos e mora ao lado da #casadasnoivas (Atelier Sandra Ferraz), sai da minha vida para entrar na história - e lá no Google permanece como Maria Bolachinha - permanentemente fechado.
Saí de lá, fato, mas ela não saiu de mim, sem contar que sigo sendo quem sempre fui, sempre poupando o melhor pro final. O que construímos na casa, o que ela foi para mim - e para muita gente - nos últimos dez anos, vai existir para sempre. E cada farelo dessa história vou servir aqui com café para vocês.
Antes de tudo, porém, queria fazer uma conceituação bem nerd, mas necessária. Mudar, em português, é muito mais do que simplesmente cambiar, cambiare, changer, expressões do verbo em espanhol, italiano, francês; ou mesmo em inglês (to change). Na nossa língua, mudar também é latino, mas quer dizer transformar. Mesmo sinônimos, as duas coisas são definitivamente bem diferentes.
E é real, cada passo de uma mudança - seja ela física, de endereço, como no meu caso, seja de trabalho, de ambiente, de hábito - carrega consigo novos ares, nova vida.
Desse processo de transformação, dos farelos que varri e dos novos pedacinhos que estão no forno, é que tenho muito a falar.
Mas vai ficar pra próxima.
Acompanhem a série nostálgica #abocadosapês, que tem bastante coisa linda - e engraçada - pra contar.
Imagem: Apenas uma banhista dos anos 20 à luz da luminária do hall, numa montagem aleatória feita no Canva, porque sou dessas.
Segue o baile no RS, então, aproveitando que ninguém perguntou, trago novamente algumas iniciativas de apoio conforme prometido no meu texto de estreia - Qualquer pão é pão quando a fome vem (que, aliás, é uma frase do meu pai, José Hilário Ajalla Retamozo).
Cozinhas SOS
https://www.instagram.com/sos.cozinhas/
Cozinha solidária do MTST
https://www.instagram.com/cozinhasolidariars/
Retomada Gahre, comunidade indíginena
https://www.instagram.com/retomadagahre/
Grupo de resposta a animais em desastres
https://www.instagram.com/grad_brasil/
Abrigo para mulheres e crianças em situação de violência
https://www.instagram.com/institutosurvivor/
Para Quem Doar
https://emergencia.paraquemdoar.com.br/
Agências dos Correios
https://blog.correios.com.br/2024/05/07/ampliamos-nossa-rede-de-apoio-as-vitimas-saiba-onde-e-o-que-doar-para-ajudar-2/
Bases da FAB
https://www.fab.mil.br/noticias/mostra/42487
SOS Rio Grande do Sul
https://sosenchentes.rs.gov.br/inicial
Emergências: para quem doar
https://emergencia.paraquemdoar.com.br/
Que o novo começo (ou recomeço) seja luz. E que nunca perca sua essência maravilhosa que tanto amo e admiro. Em todos os planos, estarei torcendo por ti. No fim das contas, seja feliz e o resto é resto.