Mãe,
Tem um trecho de um poema do pai que diz
todos os caminhos estão dentro do homem,
e assim tenho tentado viver, acreditando que as respostas estão na gente.
A verdade é que "a vida é uma caixinha de bombons", como dizia a mãe do Forrest Gump (daquele filme com a Sally Field e o Tom Hanks, O Contador de Histórias), "você nunca sabe o que vai encontrar". Mas ela às vezes vem com a embalagem aberta ou está cheia de formigas, então precisamos sempre ter sagacidade na hora de escolher nossos chocolates - e um pouco de sorte.
Sorte tivemos muita ao sermos tuas filhas - "as filhas da mãe". És inteligente, elegante, disciplinada, nos ensinaste como deveríamos sobreviver na "selva de pedra". Ensinaste também como deveríamos ser estudiosas - para a sagacidade desenvolvida - porque "estudo nunca é demais".
Ao mesmo tempo em que nos incentivaste aos estudos, nos permitiste ser criativas, deixando que a arte e a poesia fizessem parte de nossas vidas e nos guiassem em paralelo. Foste quem seduziu o poeta para dar-nos a vida. Que sorte a nossa!
A nossa miss, a moça do passo acertado, dos lenços esvoaçantes, dos cabelos impecavelmente alisados com "touca" na madrugada (ou com bobs) - mesmo antes do tempo da chapinha e do babyliss -, dona de uma beleza ímpar, e dona também dos nossos corações.
A vida nos dá bombons, sim, mas nós é que precisamos tirá-los das embalagens e com eles fazer a torta. Isso a gente pode até fazer curso pra pegar a base, mas só aprende fazendo. Podemos até ter alguém nos auxiliando, mas o percurso é só nosso a percorrer. Ninguém pode fazer isso por nós, e o GPS não sabe o caminho: nós é que o construímos passo a passo, a partir de nossas decisões e ações. E esse é o futuro sempre: construção.
O plano agora deve ser não ter plano. Encontrar uma rotina agradável, fazer as pazes consigo mesma, cuidar das tuas plantinhas, voltar a pintar, fazer ginástica. Não é descobrir a América, o sentido da vida ou tua missão. É apenas descobrir qual será o próximo lanche, que horas vai ter chimarrão, viver cada momento. Chega de correria. A vida deve ser plena agora.
É que nem diz uma música da Laura Pausini que gosto:
É você que empurra para frente o coração
Um trabalho difícil
De ser um homem e não saber
O que será o futuro
Porque não sabemos mesmo, mas está tudo bem.
Pode parecer prepotência eu, com apenas 43 anos, tentar te dizer como viver a vida. A verdade é que posso parecer crescida mas sempre serei tua pretinha emburrada, de japona vermelha, carregando um ovo cozido embrulhado no alumínio no bolso, sentada no sofá branco da sala de visitas. E o máximo que sei é que seguir aquele trecho da música do pai é um bom plano: "todos os caminhos estão dentro do homem", afinal, como também dizia o pai, “nessa vida só se é feliz de verdade com que se quer”.
44 anos.
Porque, mãe, passou um ano já.
Deu certo, será?
Não estás mais aqui.
Na minha cabeça, é todo tempo a memória da chuva de pétalas. As rosas vermelhas, da cor dos teus batons. O som daquela linda música. A impressão de que a qualquer momento vou ouvir teu salto nas escadas - ou o bate-que-bate das tuas pulseiras. Já não estás, só restou saudade.
Será mesmo que encontrarei meus caminhos?
Já não tenho planos, só restou a saudade.
Só restou nesta lenta agonia
distorcidas e mortas visões
das pelejas de teatro e poesia
e os arpejos de tristes violões.
Com amor, da tua Pretinha.
Isso do salto me pega muito, quando a minha mãe morreu eu passei semanas achando que ia ouvir o salto dela anunciando a chegada em casa, até ouvia saltos não existentes. É como se meu cérebro não conseguisse entender mesmo que esse barulho tinha sumido de vez