O Sol de inverno e/ou por que não podemos calar
Considerado uma "joia escondida" de Cannes, Sol de Inverno estreia nos cinemas brasileiros hoje, 16 de janeiro. Como será que ele vai ser recebido?
Quem me conhece sabe que penso em comida todo tempo. Minha vida gira ao redor da mesa, já trabalhei intensamente com produção de alimentos e hoje faço conteúdo de gastronomia, de receitas a especiais. Logo, mesmo quando não quero, sinto fome.
Assistir a um filme ou série, então, que não dê foco à alimentação - como os coreanos fazem com absoluta propriedade (e eu amo) - pode ser interessante, mas é um tanto sem sabor.
Mas vamos aos fatos.
O filme Sol de Inverno, que é do que estou falando, me manteve concentrada todo tempo, verdade. Integrando a seleção Un Certain Regard, do Festival de Cannes, o longa do diretor japonês Hiroshi Okuyama fez sua estreia mundial em maio do ano passado e, desde então, por onde passa coleciona elogios da crítica, incluindo os tradicionais festivais de Toronto, San Sebastián e a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Logo, quem sou eu na fila do cinema para dar opinião?
Posso dizer que o filme é sensível e delicado, com um ritmo que vai evoluindo, com uma fotografia que se conecta com a temperatura da narrativa e retratando uma linda história de amizade.
MAS... porém, todavia, contudo, e pode ser injusto dizer isso, sobretudo porque não sou especialista, não gostei.
Explico.
Cheia de doçura e delicadeza, a narrativa traz a emocionante história de Takuya (Keitatsu Koshiyama), de 9 anos. Partindo de uma admiração genuína pela patinação, com a qual ele convive vendo a colega Sakura (Kiara Takanashi) ensaiar, a história chega ao ápice mostrando a linda relação que surge entre os pequenos e o treinador Hisashi Arakawa (Sôsuke Ikematsu). E por inúmeras vezes as cenas são apenas isso: amor, puro e simples - e é lindo.
Ex-campeão da patinação artística, Arakawa decide acolher o sonho do menino e treiná-lo como parceiro da menina. Mais do que ensiná-los, a atitude do professor faz o desabrochar dos três personagens e desenvolve um laço profundo entre eles.
Ou seja, a partir de uma premissa simples, o cineasta japonês expõe sentimentos profundos, revelando a autêntica beleza da espontaneidade nas conexões humanas. E como já disse, o filme traz cenas tocantes.
Mas o longa tem uma guinada decepcionante - como a própria natureza das emoções, julgamentos e atitudes que retrata.
Já tinha achado um absurdo não ter cenas de comida (risos) - só algumas refeições em família, em câmera distante, e uma cena na qual os amigos comem o que eu acho que é Korokke - uma espécie de bolinho inspirado no croquete ocidental, uma adaptação japonesa com purê de batata, carne moída ou vegetais - mas...
CONTÉM SPOILERS
... quando Sakura descobre que o técnico Arakawa é homossexual, e daí decorrem uma série de desencantamentos, rupturas e muita tristeza, a produção peca em não dizer nada.
Não sabemos qual é a perspectiva a partir da qual a história é contada, ela apenas acontece. E tudo bem, a vida acontece.
Também talvez não seja o papel do cinema julgar. Ele pode, sim, só mostrar.
Mas acho que o tanto que a arte deve incomodar, ela deve se posicionar. Porque ela pode ter essa prerrogativa.
Só que não é o que acontece em Sol de Inverno, quando nos despedimos de uma linda relação construída com muito afeto sem nenhuma explicação. Cada um vai para um lado, é como se a amizade derretesse como o lago gelado no qual a dupla patinava, que, com a chegada do verão, se desfaz.
Isso torna o filme ruim? Não. Mas me decepcionei. Ninguém luta, todos desistem e vai cada um pro lado.
Tudo bem que relações amornam, esfriam, acabam. Mas não está tudo bem em calar quando temos que gritar; tampouco magoar, afastar e desrespeitar, quando temos que acolher. Isso é inadmissível.
Somos todos iguais. Isso é inegociável.
E é por isso que não gostei do filme, porque ele cala.
Eu poderia ter falado mais da gastronomia japonesa aqui, mas achei que trazer esse viés seria mais importante.
Abaixo mais informações do filme.
SINOPSE
Numa pacata ilha japonesa, a vida gira em torno da mudança das estações. O inverno é época de hóquei no gelo na escola, mas o jovem e introspectivo Takuya não está muito entusiasmado com isso. Seu verdadeiro interesse está em Sakura, estrela em ascensão da patinação artística. O técnico da jovem, o ex-campeão no esporte Arakawa, vê potencial no garoto e o convida para formar uma dupla com ela para uma próxima competição. À medida que o inverno persiste, os sentimentos aumentam e as duas crianças formam um vínculo profundo e harmonioso. Mas mesmo a primeira neve eventualmente derrete .
FICHA TÉCNICA
Direção: Hiroshi Okuyama
Roteiro: Hiroshi Okuyama
Fotografia: Hiroshi Okuyama
Montagem: Hiroshi Okuyama
Música: Yoshinari Sato
Ano: 2024
País: Japão, França
Duração: 90 minutos
Elenco: Keitatsu Koshiyama, Kiara Takanashi, Sôsuke Ikematsu, Ryuya Wakaba, Maho Yamada
TRAILER
SOBRE HIROSHI OKUYAMA
Sol de Inverno é o segundo longa-metragem de Hiroshi Okuyama, que nasceu em Tóquio, em 1996. Seu primeiro filme, Jesus, de 2018, estreou no Festival de San Sebastián, na Espanha, onde ganhou o prêmio principal na seção Novos Diretores. Okuyama tinha 20 anos.
Além de dirigir, ele escreve seus roteiros, edita e faz a câmera de seus trabalhos. Jesus venceu os prêmios de melhor fotografia em festivais de Estocolmo, na Suécia, e Dublin, na Irlanda.
Entre seus dois longas, Okuyama dirigiu os nove episódios de uma minissérie para TV, Makanai: Cozinhando para A Casa Maiko. Mas sua estreia mesmo foi bem antes disso tudo: em 2009, com apenas 13 anos, ele dirigiu o videoclipe Graduationparty!!!!!, que estreou no Festival Internacional de Cinema de Kyoto.
SOBRE A MICHIKO FILMES
Sol de Inverno é o primeiro lançamento da Michiko Filmes, distribuidora comandada por Michel Simões e Chico Fireman, amigos que se conheceram por causa do amor pelo cinema e que, durante 7 anos, integraram a equipe do Cinema na Varanda, um dos primeiros podcasts de cinema do país.
Imagens cortesia da distribuidora Michiko Filmes e da assessoria de imprensa Sinny Comunicação.